terça-feira, 19 de abril de 2011

Sem título

Faço poesia do amor que você me faz
Do amor que a gente faz
E que me refaz
Quando ao se toque
Meu corpo emana água
Água que você me bebe
E me devolve
Quando sinto que sua alma fica leve
E flutua no meu ventre

Vejo música no encontro desses corpos
Esta que sou eu
Corpo mesclado na autenticidade das carícias
Das mãos, línguas, cheiros e sons
Com esse que é você
E que por instantes somos nós
E múltiplos de nós

domingo, 17 de abril de 2011

Sapatos mágicos

Ela estava lá com as amigas para aproveitar uma linda noite de lua cheia e dançar numa conhecida casa noturna de um famoso bairro carioca.
Seu corpo começou a responder instantaneamente aos estímulos produzidos por aqueles sambas antigos.Acontece que, por vezes, ela é a única a evoluir na pista, sem se importar com isso.
Neste dia, um dançarino em potencial se aproximou dela, sem esconder a sua admiração pelo conforto que a moça demonstrava ali.
- Posso dançar com você? - disse ele- Sou de Curitiba e adorei este lugar.
Imediatamente, ela respondeu:
-Se você é de Curitiba, então não vai saber dançar, não é mesmo?
Sabemos que vivemos numa época em que os preconceitos são identificados e abominhados. Ela, então, se envergonhou pela provocação. No entanto, ele contraatacou:
-Se você me prometer que dança comigo, vou correndo até o meu hotel colocar meus sapatos e provarei que posso dançar com você.
Ela assentiu antes que ele disparasse através do salão e desaparecesse.
Suas amigas interrogaram o que Ana poderia ter dito de tão grave que fizesse o moço correr daquele jeito.
Ela explicou o acontecido e expressou a expectativa de ter encontrado um companheiro de dança que a fizesse aproveitar a noite da forma da qual ela mais gosta.
Foi então que o forasteiro chegou com seus sapatos caramelo, de bicos ponteagudos e de um brilho incontestável.
Era como se o mundo naquele instante estivesse depositando as suas esperanças naquelas peças de couro, que fariam aquele improvável casal bailar como nunca.
Ele a tirou para dançar. Ele tentou. Ela esperou os passos do cavalheiro e a música se encontrarem. Até que num gesto quase coreografado, ela o afastou e disse que preferia dançar aquela música desacompanhada.
Bela saída para a situação.
Ele não sabia dançar. Seus sapatos não trouxeram a magia que até ele mesmo acreditava que aconteceria.
E Ana dançou, acompanhada apenas da música e daquele piso perfeito para brincar com o ritmo das maravilhosas canções que foram apresentadas.
Mas no fundo, ela torceu por aquele rapaz. Torceu para que um dia os seus sapatos, aliados a algumas aulas de dança pudessem trazer o contentamento ausente naquela noite.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Latifúndio produtivo










Vivo há quase nove anos num apartamento muito bonito. Ele é amplo, arejado e confortável. No entanto, foi palco de um momento muito sofrido da minha vida: o fim do meu casamento.
Passei muito tempo de mau humor com aquela casa “enoooorme” e desnecessária. À essa implicância toda, eu atribuía o fato de o meu ex marido ter escolhido e insistido para que comprássemos aquele apartamento e, quando nos mudamos para lá, a nossa relação entrou na derrocada final.
Foi preciso esse tempo.
Foram necessários muitos fins de semana em que eu me trancava solitária no meu quarto em protesto contra aquele todo espaço ocioso.
Pensei em me mudar diversas vezes. Coloquei o apartamento à venda, consegui um comprador mas os meus filhos resistiram à mudança, amigos enfatizaram a valorização que o bairro sofreria com o metrô que um dia chegará lá e outras coisas mais.
E aí veio a reforma agrária.
Ela consistiu em disponibilizar a minha sala de sessenta metros quadrados para as reuniões semanais da minha unidade budista.
Às segundas-feiras, o ambiente se enche com as vozes de, em média, vinte pessoas entoando o Nam Myoho Rengue Kyo e o Gongyo . Apresentação e discussão de textos e relatos que envolvem a prática do budismo de Nitiren Daishonim.
Desde então, tudo faz mais sentido.
Existe um porquê para eu ter aquela casa tão simpática e espaçosa.
Me sinto trabalhando efetivamente por uma causa.
Agradeço todos os dias por essa oportunidade e espero poder oferecer por muitos e muitos anos ao mundo essa célula de luta pelo kosen rufo .

domingo, 10 de abril de 2011

Passado e presente








Com essas duas ruas divido a metade da minha vida; ou será que são elas que me dividem?
Na primeira, vivi a maioria dos anos de casamento, vi meus filhos nascerem, experimentei as certezas de quem acreditava na perpetuidade das condições.
Na segunda, passei pela perda da separação, encontrei um caminho profissional e me isolei em alguns momentos para me reorganizar.
Vivo até hoje na segunda rua. Hoje aceito a casa, como aceito as minhas limitações e desafios. Aqui é a casa dos meus filhos, a única de que eles se lembram ter vivido e de onde dizem não querer sair. Aqui escrevo minhas idéias, durmo mal as minhas noites de angústia e respiro aliviada após um dia (ou noite) agitado.
Entretanto, somente hoje percebi que, a Guedes da Fontoura se encontra com a Érico Veríssimo e acaba, ou começa, não sei.O que realmente importa é a interseção, o ponto de comunhão e a percepção de que o passado e o presente são contínuos e simultâneos.

domingo, 3 de abril de 2011

Gestos involuntários

Piscar os olhos, bocejar, sorrir...
Estalar os dedos, chorar, desejar...
Respirar,pensar,suar, amar...
São todos gestos sem escolha
Pra acontecer, fluir, viver

Repetir quantas vezes
E quantas vezes mais preciso for

Num piscar, olhos podem se cruzar
Um sorriso pode acontecer
Uma respiração que faz suar
Desejo de não parar de pensar
Chorar de tanto desejar

Que seja involuntária e duradoura essa essência de ser, do ser, para ser.