sábado, 19 de junho de 2010

Ela e ele

ELA E ELE

Ela sonhou um amor. Um sentimento arrebatador que rompe todas as barreiras culturais e geográficas.
Ele viu nela a chance de só ser, de amar e viver uma história onde interesses comerciais não prevalecessem.
Eles apostaram nessa história. Se entregaram, tentaram ter um filho, se encontraram mundo afora e terminaram.
Ela, mulher latino americana, quente no corpo, quente no coração e encantada com aquele europeu fascinante e apaixonado.
Ele, português residente na Suíça, funcionário das Nações Unidas. Quanto fascínio!
Ele era tudo que ela gostaria de ter sido, todos os países e culturas que gostaria de ter conhecido.
Ela, a mãe falecida ao seu nascimento. A porção feminina nunca antes experimentada.
Ele não tinha filhos, família, ninguém.
Ela tinha dois, família presente e coração latente.
A gravidez não aconteceu. O trabalho dele o consumia e o sofrimento dela foi inevitável.
A relação enfraqueceu, o romance acabou e a vida seguiu.
Acontece que o coração dela nunca se curou daquela paixão fulminante. No entanto, a distância era a sua melhor amiga, a sua garantia de que havia um espaço de proteção onde o que estava guardado, guardado estava.
Aí o sonho de anos atrás se realizou: ele conseguiu uma missão no país dela. Mas não era uma missão rápida e passageira. Tratava-se de um projeto de duração de, no mínimo, dois anos. Aí o bicho pegou.
Ele veio, eles se viram e ela chorou.
Chorou pelo amor despediçado. Chorou pelo sonho realizado para uma relação que já não existia. Chorou por identificar e justificar naquela pessoa o amor escondido, mas não acabado.
O fim da história ? Bem, não há previsão de fim, mas ela continua chorando...

Junho/2010

Gestos de elevador

Gestos de elevador

Adoro a delicadeza.
Me pego sempre pensando sobre os gestos cotidianos que observamos, fazemos e recebemos.
Um bom dia no elevador, um sorriso em agradecimento a uma porta aberta, um “obrigado” alto, claro, bem articulado.
Mas um fato me chamou a atenção ontem no elevador do prédio onde trabalho: por que algumas pessoas de posição hierárquica privilegiada na instituição não participam desses rituais de delicadeza?
Fiquei divagando sobre possíveis motivos que levam alguns olhares diretamente ao chão ou subitamente para o tão admirado teto desses veículos de elevação.
Pensei nas culpas que alguns carregam por decisões mal tomadas, intrigas formuladas e desacordos declarados. Mas aí divago sobre as razões porque isso me afeta. Talvez seja, porque numa dinâmica dessas jornadas de equipe que mais parecem discussão de relação remunerada, me disseram que eu sou "amante", o que se traduz num ser que vê nas relações dentro do ambiente de trabalho, o principal determinante para que resultados profissionais positivos proliferem.
Calma! Isso não quer dizer que sejamos sempre carentes, desfocados ou enturmadíssimos. Somos do grupo que valoriza muuuuito a delicadeza. É claro, que tudo isso é uma moeda, cuja face menos bonita apresenta exatamente a tristeza que a falta de delicadeza gera. Um elevador, com seu espaço reduzido age como condensador das tendências humanas, um recorte do que os seus passageiros praticam no cotidiano.
Não atentarei aqui para as possíveis variáveis, tais como a presença de um ascensorista, o tempo que a viagem leva, as paralisações que podem acontecer e, atualmente, a companhia de um concorrente direto para o teto: a tela de LCD informando se vai chover ou se o dólar caiu.
O que, de fato, as observações feitas nessas viagens verticais geram é uma vontade de gritar para aqueles chefes, mais que chefes, sei lá, que ninguém trabalha feliz quando não é respeitado.
E que aqui fique também registrada a estranheza que a passividade dos não-cumprimentados revela. Será que estariam todos utilizando a prática da anti delicadeza como manifesto?
Qualquer que seja a resposta, desejo a todos nós que a delicadeza sempre nos acompanhe, para que as nossas mais variadas viagens sejam, ao menos, mais humanas.

Elaine Vianna
Junho/2010.